A Ponte da Escuridão

Era uma noite chuvosa de novembro, quando eu saí do ensaio na igreja, pouco depois das 21h. Meus amigos moravam no distrito 2, e eu precisava atravessar a ponte que ligava os dois distritos de minha pequena cidade no interior do Amazonas, para chegar em casa. A cidade, normalmente pacata, parecia ainda mais silenciosa naquela noite chuvosa. O caminho até a ponte era um trajeto que eu já fazia tantas vezes que se tornara quase automático.

Eu caminhava distraída, olhando para o chão para evitar as poças d'água, quando, de repente, senti o impulso de olhar para frente. Foi quando percebi algo estranho: à distância, um homem caminhava na minha direção. Embora o fato de encontrá-lo na ponte não fosse incomum, algo me inquietou. Ele parecia estar mais perto do que deveria, como se estivesse avançando em minha direção mais rapidamente do que a distância sugeria. Mas o mais assustador era a sua altura: quanto mais eu observava, mais ele parecia crescer, como se estivesse se esticando para o céu.

Eu tentei ignorar a sensação estranha, mas não conseguia desviar os olhos dele. Algo estava muito errado, mas meus pés pareciam mover-se por conta própria, e eu não conseguia parar ou voltar atrás. O medo começava a apertar o meu peito, e a cada passo, a figura do homem se tornava mais distorcida. Seus braços, antes normais, agora pareciam alongados, quase como tentáculos, se estendendo para fora de seu corpo de maneira sobrenatural. E seu rosto... ou melhor, o que eu via como seu rosto, estava borrado, coberto por uma escuridão espessa, como tinta preta.

Quando ele finalmente chegou perto o suficiente, eu parei, completamente paralisada. Estava tão perto que podia ouvir o som suave de seus passos, mas o que mais me aterrorizava era o silêncio em torno de nós. A chuva parecia ter cessado, e até o som da água correndo sob a ponte desaparecera. Eu tentei olhar para seu rosto, mas tudo o que vi foi um vazio absoluto, uma escuridão profunda onde deveria estar seu semblante.

Meu corpo não reagia, meus pés não se moviam, e quando finalmente passei ao seu lado, respirei fundo, com medo do que poderia acontecer a seguir. Naquele momento, algo parecia me empurrar para frente, como se uma força invisível me levasse a continuar a caminhada. Olhei por cima do ombro, meu coração batendo descontrolado, esperando o pior. Mas, quando olhei novamente, o homem havia simplesmente... desaparecido.

O alívio foi breve. A ponte, que até então parecia familiar, agora parecia diferente, distorcida. A sensação de que eu não estava mais sozinha se intensificou. Eu apressei o passo, tentando não olhar para trás, mas a cada vez que minha vista se desviava, eu percebia algo ainda mais aterrador: no final da ponte, o homem estava de volta. E agora, não estava mais sozinho. Outras sombras estavam se formando ao seu redor, todas se esticando, se contorcendo, como se fossem parte da mesma entidade.

Com o coração acelerado, minha mente entrou em pânico. A cada passo que eu dava, as figuras pareciam se aproximar mais, mais altas, mais numerosas, se multiplicando em um ciclo interminável. As sombras eram tão escuras que pareciam consumir a própria luz da noite, e a ponte parecia nunca ter fim, um lugar de limbo onde o tempo e o espaço se desfaziam.

Eu tentei correr. Meus pés deslizavam na madeira molhada, e o som de minhas corridas ecoava pela ponte, mas as figuras estavam lá, sempre à minha frente, mais próximas a cada instante. Eu não sabia o que estava acontecendo ou como escapar. O medo tomava conta de mim, e eu me vi presa em um pesadelo que não tinha fim.

A ponte, antes conhecida e segura, se tornara um lugar maldito, onde as sombras do homem e suas cópias se arrastavam, esperando o momento certo para me alcançar. E a cada olhar, a realidade parecia se distorcer ainda mais, como se eu estivesse sendo consumida pela escuridão que havia se apossado do lugar.

E talvez, só talvez, eu ainda estivesse lá, presa naquela ponte, olhando para o vazio, onde a linha entre o mundo dos vivos e o desconhecido havia se apagado.

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